O dia 1 de julho será crucial para os dez milhões de brasileiros que têm plano de previdência privada. Essa é a data final para que decidam de que forma querem pagar Imposto de Renda (IR) sobre os recursos aplicados. O governo ainda tenta negociar no Congresso Nacional uma ampliação do prazo para o fim do ano, mas, enquanto isso não acontece, é preciso ficar de olho nas duas opções de tributação que estão disponíveis. Isso porque a escolha do regime é definitiva: quem migrar não pode voltar atrás.
Até o ano passado, só existia uma forma de pagar IR sobre os planos. Os resgates ou benefícios eram tributados de acordo com a tabela do Imposto de Renda. Valores até R$ 1.164 eram isentos, recursos entre R$ 1.164,01 e R$ 2.326 tinham alíquota de 15% e valores acima de R$ 2.326 eram tributados em 27,5%.
Mas para tentar estimular a poupança de longo prazo e a entrada de novos participantes no mercado, o governo criou uma opção de tributação decrescente. Por ela, quanto mais tempo o participante deixar o dinheiro no fundo, menor será o IR. São seis alíquotas que variam entre 35% (saques em até dois anos de acumulação) e 10% (a partir de dez anos).
Segundo o vice-presidente da Associação Nacional de Previdência Privada (Anapp) e diretor da Área de Previdência do Bradesco, Marco Antônio Rossi, a escolha da melhor forma de tributação depende do perfil de cada pessoa, mas, de forma geral, a tributação decrescente é mais vantajosa para quem ainda pretende contribuir por muito tempo. Para quem está prestes a se aposentar, a tributação antiga é melhor, já que os saques com menos de dois anos vão ser tributados em 35% pelo novo regime.
Empresas divergem em relação ao prazo
Também não vale a pena mudar para a tributação regressiva quem recebe benefícios ou faz resgates no limite de isenção de R$ 1.164. Mesmo que esses recursos fiquem acumulados durante dez anos no plano, no resgate passariam a ser tributados a um valor mínimo de 10% pelo novo regime, enquanto na tabela progressiva eles pagam IR no resgate mas conseguem restituição na declaração de ajuste anual. Na prática, ficam isentos.
— Se você receberá um benefício na faixa de isenção, não vale a pena mudar de tributação, porque acabará pagando 10% de IR quando não pagaria nada no modelo antigo — diz Rossi.
Para quem já tinha fundo de previdência privada antes de janeiro de 2005, a escolha do novo regime tributário deve ser feita até a próxima sexta-feira. Segundo a Receita Federal — que elaborou o novo regime e o texto que o instituiu — depois disso, a única hipótese para mudar de regime é se o participante estiver migrando de um plano ou de um fundo para outro (Unibanco AIG para Bradesco, por exemplo). Para os que ingressaram no mercado de previdência este ano, a escolha já foi feita.
Mas essa não é a visão da Superintendência de Seguros Privados (Susep):
— Achamos plausível o entendimento de que, para quem tinha plano antes de 2005, o prazo de migração para o novo modelo tributário não se esgota em julho. Mas a lei não é clara neste sentido. No entanto, como essa é uma norma conjunta da Susep, da Secretaria de Previdência Complementar e da Receita, é preciso avaliar o posicionamento das outras instituições — afirma João Marcelo Máximo dos Santos, diretor da Susep.
— Passado o prazo, o investidor que já tinha plano de previdência poderá passar os recursos para um novo plano na mesma empresa — diz René Garcia, superintendente da Susep.
A exemplo da Receita e da Susep, as empresas têm interpretações distintas para as novas regras. No meio do fogo cruzado, ficam pessoas como a empresária Isabella Larica, de 30 anos, que não consegue informações claras sobre as diferenças entre os planos PGBL e VGBL.
— Toda vez que vou buscar informações no banco sobre os tipos de plano, fazem tanta confusão que saio com mais dúvidas do que entrei. Falta informação acessível — critica.
Já o mercado não consegue se entender quando a questão é o prazo de migração dos investidores antigos para o novo modelo tributário. Para algumas, termina em 1 de julho. Para outras, após o prazo, o investidor ainda poderá migrar. Neste caso, porém, o prazo da aplicação não será mais retroativo a janeiro de 2005: passará a contar a partir da data em que o investidor fizer a alteração. Ou seja, se decidir mudar em dezembro deste ano, tudo o que foi investido até então será considerado como aplicação feita apenas naquele mês e o prazo contará dali em diante. É com este cenário que trabalham Icatu Hartford e Unibanco AIG.
— Passado o prazo, o investidor ainda poderá migrar seus recursos para um outro plano com regime tributário regressivo — diz Luciano Snel, diretor financeiro da Icatu.
Já Renato Russo, vice-presidente de Previdência da SulAmérica, tem outra avaliação:
— Para nós, 1 de julho é o prazo final.
Essa também é a visão do Bradesco:
— Não há dúvida: após o prazo, não há mais chance de mudar de modelo. É isso que dizemos aos nossos clientes: que têm apenas mais uma semana para decidir — explica Rossi.
A única alternativa seria o governo baixar outra norma — ou uma emenda a alguma medida provisória em tramitação no Congresso — para estender o prazo de migração.
Pelo regime atual (chamado de progressivo), mesmo num saque antecipado de R$ 1.164 no fundo, haverá retenção de 15% na fonte, desde que o participante não esteja aposentado (aí será isento). Mas o que for cobrado a mais será acertado entre o contribuinte e a Receita na declaração anual de ajuste do IR, quando o investidor receberá os recursos de volta.
Os participantes também precisam ficar atentos à forma como vão sacar os recursos. Resgates parcelados podem compensar mais do que sacar tudo de uma só vez. Se após dez anos, por exemplo, a pessoa decidir sacar todo o dinheiro de uma só vez, será tributada de acordo com os prazos de incidência das alíquotas. A parcela que já tiver mais de dez anos será tributada em 10%, a que tiver entre oito e dez anos, em 15%, a que tiver entre seis e oito anos será tributada em 20%, e assim por diante.
Se o recurso for pago parceladamente, a situação muda. Se uma pessoa já tiver recursos por dez anos, o primeiro resgate com esse tempo de aporte será tributado em 10%. Mas se ela esperar mais um ano para fazer outro resgate, outra parte dos recursos terá ficado retida por mais 12 meses, e, com isso, poderá continuar a ser tributada pela menor alíquota.
Investidores comuns ainda têm dúvidas básicas sobre previdência
Não tenho segurança para investir. Os funcionários dos bancos não sabem explicar que tipo de proteção eu tenho em caso de quebra da companhia. Quem já viu casos como o da Capemi fica sempre com um pé atrás — queixa-se a advogada aposentada Elizabeth Rizkalla, de 62 anos. Insatisfeita com o que ganha pelo INSS, ela gostaria de melhorar sua renda futura e, para isso, quer entender como funcionam o PGBL e o VGBL e quais as garantias em caso de falência da instituição.
Apesar de o mercado de previdência privada ter deslanchado há cerca de cinco anos com a popularização dos PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre), dúvidas como a de Elizabeth são freqüentes. O investidor comum, mesmo que já tenha contratado um plano, ainda está longe de entender como funcionam as regras. Migração sobre o novo regime tributário, então, nem pensar. Não é por acaso, portanto, que na maioria das instituições a migração de investidores da tabela antiga do Imposto de Renda (regime progressivo) para a nova (regime regressivo) não atingiu nem 10%.
Modelo antigo de tributação continua valendo
O alerta geral dos analistas é que, se ainda falta mais de dez anos para o investidor se aposentar e ele não mexer no dinheiro até lá, o modelo novo (regressivo) é mais vantajoso. Entretanto, é preciso verificar com cuidado caso a caso.
Custódio Elói, superintendente de Produtos do Unibanco AIG, confirma o problema. Na instituição, a taxa de migração dos investidores da tabela antiga para a nova é inferior a 6% do total. Na Bradesco Vida e Previdência, a taxa não chega a 10% dos clientes.
— Muitas vezes, quando começamos a explicar as mudanças recentes aos clientes, eles nos chegam com dúvidas em tese mais simples, como o funcionamento de um PGBL ou VGBL. Isso mostra que há ainda uma grande falta de orientação e entendimento do que é previdência — diz Elói.
Confira algumas dúvidas freqüentes, segundo analistas:
Qual é a nova forma de tributação dos planos de previdência privada? O governo criou, por meio da lei 11.053, do dia 29 de dezembro de 2004, um regime tributário com alíquotas decrescentes (regime regressivo) para os planos de previdência privada. Por ele, quanto mais tempo os participantes desses planos deixarem seu dinheiro acumulado, menor será a alíquota de Imposto de Renda a pagar. Ela varia entre 35% (para os recursos acumulados por até dois anos) e 10% (se o prazo de acumulação do capital for superior a dez anos). Essa tributação ocorre quando a pessoa faz um resgate ou começa a receber seu benefício.
A nova tributação vale para que tipos de fundo? Vale para todos, sejam de contribuição definida (valor fixo por mês de aplicação) ou contribuição variável, sejam eles planos abertos (que recebem dinheiro de trabalhadores de diversas empresas) ou fechados (plano por empresa ou setor ou categoria profissional).
Isso significa o fim da atual tributação dos planos? Não. A tributação progressiva continua valendo. Por ela, o participante do plano de previdência privada paga IR de acordo com as alíquotas da tabela da pessoa física. Os valores de resgate até R$ 1.164 são considerados isentos. Mas agora, a quantia está sujeita a uma retenção antecipada de 15% de IR na fonte, mesmo estando dentro do limite de isenção. Uma alíquota única de 15% será cobrada sobre resgates de qualquer valor — sejam eles R$ 3 mil ou R$ 50 mil. Posteriormente, na hora em que o investidor apresentar sua declaração do IR, os ajustes no que foi cobrado a mais ou a menos serão feitos — os valores entre R$ 1.164,01 e R$ 2.326 são tributados em 15% (não há ajuste), e os valores acima de R$ 2.326 são tributados em 27,5% (a diferença a mais será cobrada na declaração anual). A retenção de 15% só não vale para quem está recebendo benefício de aposentadoria.
Procura em baixa
Nas principais seguradoras do país, as dúvidas dos investidores e o prazo apertado para escolha inibiram a migração para o novo modelo tributário, que não chega a 10% do total de participantes. Aplicadores e instituições tiveram três meses para se informar sobre as mudanças, já que a regulamentação final — que trata da incidência do IR no novo modelo de tributação — saiu apenas no fim de março.
— Faltava o mais importante e só podíamos passar informações básicas aos clientes — diz Osvaldo do Nascimento, presidente da Anapp e diretor-executivo da Itaú Vida e Previdência.
— A forma como o governo tratou o assunto foi atabalhoada desde o início, aprovando a nova tributação no apagar das luzes de 2004 e os detalhes finais quase em abril. O pouco tempo retraiu os investidores — critica Custódio Elói, superintendente de Produtos da Unibanco AIG, onde a mudança de modelo foi inferior a 6% do total de clientes.
No Bradesco e na Sul América, não chega a 10%.
— Um prazo maior permitiria aos investidores tirar dúvidas — diz Luciano Snel, diretor da Icatu.
Falando a mesma língua
PARTICIPANTE: Termo usado pelas empresas para designar o investidor que aplica em previdência.
RESERVA: Total acumulado pelo investidor no plano de previdência.
PGBL: Plano Gerador de Benefício Livre. É o modelo de previdência voltado para quem declara Imposto de Renda (IR) no formulário completo, pois permite deduzir as contribuições da base de cálculo do IR até o limite de 12% da renda bruta anual. O diferimento fiscal feito durante o período de acumulação é compensado no futuro: quando o investidor resgatar os recursos, deverá pagar IR sobre o valor total (aplicações mais a rentabilidade obtida no plano). As contribuições podem ser feitas esporadicamente ou de uma só vez.
VGBL: Vida Gerador de Benefício Livre. É o modelo indicado para quem declara IR no formulário simplificado, já que não permite a dedução das contribuições. Também é indicado para quem quer ir além do limite de 12% da renda bruta, aumentando suas contribuições em previdência. Embora não permita a dedução de valores, o produto tem vantagens em relação ao PGBL: no resgate, o investidor pagará menos imposto. Isso ocorre porque, neste caso, o IR incide apenas sobre a rentabilidade da aplicação. As contribuições podem ser feitas esporadicamente ou de uma só vez.
PORTABILIDADE: Mecanismo que permite ao participante transferir total ou parcialmente os recursos de um plano para outro. A transferência pode ser entre planos de uma mesma instituição ou de uma instituição para outra.
APORTES: São as contribuições que os investidores fazem nos planos de previdência. Em geral, referem-se a valores aplicados além da contribuição normal.
BLINDAGEM: É a separação, nos planos de previdência, entre os recursos depositados pelos investidores e o patrimônio da seguradora. Hoje só existe nos antigos Fapis (Fundo de Aposentadoria Programada Individual), que não são mais vendidos no mercado. Os PGBLs e VGBLs passarão a contar com a blindagem dos recursos a partir de janeiro do ano que vem. Atualmente, o cotista dos planos é a seguradora e não o participante. A seguradora reúne os recursos de todos os investidores e os aplica num fundo exclusivo em seu nome. Com a blindagem, o investidor será nominalmente o dono das cotas do fundo. Isso fará com que, em caso de falência da instituição, seus recursos fiquem protegidos e não corram o risco de ser usados para arcar com dívidas trabalhistas ou tributárias, por exemplo.
TAXA DE CARREGAMENTO: As empresas cobram taxas diferenciadas sobre aplicações feitas pelos investidores nos planos de previdência. Os percentuais costumam variar de zero a 5% e os recursos são usados para arcar com custos administrativos.
TAXA DE ADMINISTRAÇÃO: Como nos fundos de investimento, as empresas cobram taxas que incidem sobre a reserva dos planos e remuneram a gestão do fundo de previdência.
Lei prevê, a partir de janeiro de 2006, mais garantia para dinheiro aplicado
A partir de 1 de janeiro do ano que vem vai ficar mais seguro investir em previdência privada. A chamada MP do Bem (MP 252, de 15 de junho deste ano) acaba de regulamentar a separação efetiva entre os recursos dos investidores e o patrimônio da seguradora. No jargão do mercado, a operação é conhecida como blindagem. Na prática, significa mais proteção para os aplicadores, pois, em caso de quebra da instituição, seus recursos serão preservados, não se misturando mais com os da seguradora.
Os investidores que desejarem a proteção deverão migrar para novos planos, blindados.
A aprovação da blindagem cria a possibilidade de os investidores usarem as reservas dos planos — que passarão a ser feitas em seu próprio nome — como garantia para obter crédito imobiliário. Nos EUA, 15% das reservas de previdência são usadas desta forma.
— Hoje, a legislação em vigor para planos como PGBL e VGBL não oferece esse tipo de proteção. O cotista do fundo exclusivo onde os recursos estão aplicados é a própria empresa, por isso não é possível avaliar o limite entre o que é dinheiro do participante e da seguradora. Em casos como o do Banco Santos, em liquidação, como os recursos não estão segregados, primeiro serão usados para pagar dívidas trabalhistas, tributárias e previdenciárias, para depois se pensar nos investidores, que correm o risco de nunca ver esse dinheiro — alerta René Garcia, titular da Superintendência de Seguros Privados (Susep).
Tire outras dúvidas
Por que o momento de aporte dos recursos para o fundo é importante? Porque, pela nova tributação regressiva, a pessoa só chegará a pagar a alíquota mínima (10%) depois que o recurso acumulado completar mais de dez anos. Se o investidor fizer um aporte de grande valor no início do plano e pequeno no final, pagará menos IR sobre uma parcela maior de dinheiro. Em tese, quanto maior o horizonte de contribuição, mais vale a pena a tributação regressiva, pois mais parcelas depositadas já terão completado dez anos até a aposentadoria e, à medida que forem feitos saques, outras parcelas vão fazendo aniversário e entrando na alíquota menor.
Faz diferença se a pessoa decidir receber seus recursos de uma só vez ou de maneira parcelada? Sim. Após dez anos de acumulação, por exemplo, se a pessoa decidir sacar todo o seu dinheiro de uma só vez, será tributada de acordo com os prazos de incidência das alíquotas, que variam de 35% a 10%. A parcela com mais de dez anos, por exemplo, será tributada em 10%. Se o recurso for pago parceladamente, a situação é diferente. Se, por exemplo, uma pessoa já tiver recursos com um prazo de acumulação de dez anos, o primeiro resgate que tiver esse tempo de aporte será tributado pela alíquota de 10%. Mas se ela esperar mais um ano para fazer outro resgate, por exemplo, outra parcela de seus recursos terá ficado acumulada por mais 12 meses, e, com isso, ela terá a chance de continuar a ser tributada pela menor alíquota. No caso da aposentadoria, a contagem do prazo de acumulação também continuará valendo, o que também ajuda a contar o tempo para a redução da alíquota de IR.
Qual é o prazo para que essa opção seja feita? A escolha do novo regime tributário, para quem já possuía plano de previdência em 31 de dezembro terá que ser feita até o dia 1 de julho de 2005. Depois desse prazo, só poderá mudar sua forma de tributação quem estiver migrando de um plano ou de um fundo para outro. No entanto, o governo estuda a possibilidade de ampliar o prazo de opção para o fim do ano. Para os participantes que ingressaram depois de 1 de janeiro de 2005, a escolha já foi feita. (Martha Beck e Patricia Eloy - O Globo-26.06)